A cidade de Porto Alegre nasceu e se desenvolveu a partir de sua borda norte, antiga área portuária inserida entre o tecido urbano consolidado do Centro Histórico e as águas do Lago Guaíba. O lugar revela condição simbólica na evolução urbana da cidade até hoje. Há uma forte imageabilidade construída pela presença do patrimônio histórico. O Cais Mauá, ou antigo Cais do Porto, representa a identidade da Capital. A área que costumava ser legível, contudo, foi transformada em uma estrutura parcialmente legível por diferentes relações e barreiras impostas pela cidade sobre essa borda.
O funcionamento portuário passou por tempos abundantes, do quadriênio glorioso às grandes obras públicas, e alcançou seu ápice na década de 60. Quando, em 1970, o fenômeno global pela busca por novas centralidades contribuiu para perversa lógica de esvaziamento residencial do centro histórico.
Com as novas dinâmicas de deslocamento, o porto antes fundamental à vida da cidade, sofreu progressivo abandono, catalisando a morte do bairro e a decadência da área. A inquietação do porquê essa área nobre do território urbano de localização central, frente de água e entre patrimônio de Porto Alegre ainda é tão subutilizada motivou esse trabalho.
As sucessivas retificações dessa borda, junto aos planos urbanísticos e as demandas da metrópole moderna foram transformando a paisagem e o caráter original do bairro. A área de aterro criada para atender a função primordial pública foi perdendo essa essência. Os espaços antes destinados às trocas da vida urbana e ao coletivo foram cedendo lugar ao automóvel.
Moreira Maciel, responsável pelo Plano Geral de Melhoramento de 1914, não pode prever que uma grande enchente e a consequente construção de um muro, a desativação do porto, a inserção de uma linha ferroviária, o tráfego intenso de veículos na Av. Mauá, e a deficiência ocupacional da margem dessa via conformariam hoje, além de barreiras físicas e visuais, um aparthaid simbólico entre a cidade e seu lago.
O espírito do lugar que carregava uma atmosfera com espectros de oportunidades, hoje exclama socorro. Há mais de dez anos a população não tem acesso ao Cais Mauá. O cenário atual é urgente visto que o patrimônio entra em ruínas ameaçado por um futuro incerto, enquanto um plano tramita sob questionável transparência e participação popular. Lê-se um território com diversos conflitos de interesses entre agentes de diferentes esferas e escalas. Basta de um histórico conturbado de tentativas malsucedidas de devolver o Cais à cidade focado em negociar e destinar esse espaço à uma parcela da população.
Nesse sentido, esse trabalho se fundamenta no Direito à Cidade e olha para a borda norte enquanto área de valor histórico, patrimonial, paisagístico e cultural. Busca-se resgatar a herança do tempo em que se assistia uma relação franca entre a Cidade e o Guaíba, em que o patrimônio era abraçado, e costumava abraçar eventos democráticos sob chão público. Portanto, propõe-se intervenções que ressignifiquem e atribuam uma nova legibilidade ao lugar, reconhecendo e valorizando as forças existentes.
Deixe seu comentário