Território Identitário: centro de reinterpretação do sul

Território Identitário: centro de reinterpretação do sul

A identidade gaúcha tem sido historicamente distorcida, de maneira intencional ou subconsciente, por agentes diversos desde as revoluções do século XIX. Visões folcloristas foram adotadas como tradicionalismo histórico, enaltecendo heróis seletos enquanto flertam com um separatismo decidido a ignorar as raízes de seu povo, ao passo que, adotando uma deturpada imagética latifundiária, alimentam crimes de cunho racial e xenofóbico. Ressignificando o pertencimento à identidade gaúcha por todo o povo do sul, a partir de uma visão crítica, propõe-se neste trabalho o projeto de um centro de reinterpretação – um parque museográfico implantado na encosta de uma pedreira abandonada na zona leste de Porto Alegre – que sirva não só de símbolo de uma história quase esquecida, como de oficialização dos agentes que de fato a moldaram, aplicando paralelos artísticos e essencialmente se utilizando da arquitetura para reavaliar essa cicatriz tanto geográfica quanto antropológica.
O Centro de Reinterpretação do Sul busca expor essa cronologia a partir de diferentes frentes – historiográfica, etnográfica e arqueológica – além de promover cultura na fronteira urbana e, acima de tudo, provocar a comunhão com a terra, o silêncio e a liberdade – sentimentos intrínsecos à identidade gaúcha. Numa estética do frio, a arquitetura do conjunto busca formas essenciais, sólidas e diretas, construídas inteiramente em elementos comuns e materiais nativos da região, buscando a verdade por detrás da ficção, e garantindo a acessibilidade e fácil compreensão ao tema, evitando que a vaidade afaste quem tem direito a esse espaço: o povo gaúcho. Não só pelas exposições, entretanto, se conta essa história – o projeto busca que através de sua própria implantação, essa narrativa vá sendo tecida, não completando o espaço vazio, mas evidenciando a cicatriz do território. Partindo do ponto mais baixo, na sombra de vistas obstruídas pelo despenhadeiro, aos poucos se elevando, literal e metaforicamente, ao passo que gradualmente se tem contato com o tema das instalações, que entendendo a violência outrora praticada nesse território, respeitosamente se assentam na encosta rochosa. Por fim, alcançando o mirante, no ponto mais alto da cratera, o final desse conto, tendo como desfecho do percurso a visão do vasto horizonte desimpedido assim como a mirada elevada do caminho percorrido. Desse extremo se vê futuro e passado numa mesma tônica, a trajetória já findada como também um possível novo horizonte. O público, doravante, é convidado a traçar seu próprio caminho pelas trilhas do parque, através da vegetação nativa, sentindo o minuano tocar o rosto, entendendo de que maneira essa história lhe pertence e por si é também escrita.
O CRS pretende não só desmistificar um símbolo distante como também despertar as brasas da coragem que sempre conduziu bravas almas a essa terra. O gaúcho não tem sobrenome, vestimenta, pele ou posse que o faça mais ou menos merecedor de seu próprio sangue. Uma história rica, ora bravia, ora desleal, que merece ser reinterpretada por todo e qualquer indivíduo que sinta conexão com essa indômita terra, pois, por essas bandas, se busca nada mais do que a liberdade.

Parecer do júri

O trabalho discute, por meio de sua arquitetura, elementos da identidade gaúcha, resgatados histórica e criticamente, e propõe um espaço que acolhesse as expressões: historiográfica, etnográfica e arqueológica, buscando promover a cultura na fronteira urbana. A representação gráfica é de boa qualidade nas quatro pranchas de desenho, há a presença de uma pesquisa comprometida, inserindo o projeto em uma pedreira. A edificação intitulada Equipamento Âncora é o único volume vertical do conjunto composto por um mirante e um farol, funções que exploram experiências propostas no projeto. Há uma geometria complexa com desenho propondo tomadas de visuais, compondo um passeio arquitetural contemplativo aos visitantes. O trabalho apresenta uma narrativa crítica e poética que consegue ser representada na arquitetura de forma muito sensível e adequada.

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